29/01/09

O banquinho

[Pedro Afonso]


aqui agora, cospe, cospe a espuma que te sobra dos dias dos cantos da boca. aqui agora, em todo o lado, cospe. neste país? cospe, cospe tanto como em qualquer outro país terias que cuspir. é melhor, pior? não será muito mais nem muito menos que em qualquer outro. porquê... temos esperança? queremos um modelo, alguma referência? olhemos à nossa volta, daqui, agora: há algo que valha a pena seguir? alguns movimentos desobedientes, alguns rasgos no nevoeiro? mas esses são todos reprimidos exactamente pelo que chamamos países. movimentos cívicos? associações? rupturas? alternativas? o quê? neste país, em qualquer outro, achamos mesmo que é possível mudar? é que quando falo em mudar não me refiro a colocar pensos rápidos - ou breves, como se deveriam chamar - nem a nos ligarmos um pouco a algum ventilador mais agradável do que este fumo que respiramos. faz bem pensar no que se passa aqui agora? no que está mal? pensar onde estão as feridas, quais são os fantasmas, no que poderia ser feito? fará bem? eu não sei... mas quem sou eu... neste país aqui agora, sou um entre muitos em cima do banquinho com a corda ao pescoço. não, não estou a falar (apenas) da corda económica, mas da corda da desesperança nisto tudo (no que, ao que parece, se inclui portugal), a corda que todo e qualquer indivíduo aqui agora tem ao pescoço. o que fazer? irmo-nos aguentando no banquinho para não cair, ou fazê-lo cair a ele, muito de repente? chamo a essa corda aqui agora, chamo ao banquinho país.

pessimismo? talvez seja pessimista, talvez possamos dizer, apontar, que este é mais um defeito dos "portugueses", ou de uns quantos, ou só meu. será que um país pode mudar (para melhor) dentro de um mundo que não o faz? e este melhor é para quem? se calhar até muda, vai ficando melhor para quem precisa de ter a massa humana controlada pela asfixia económica e pela alienação social. para quem precisa disso, creio que o mundo e os países vão melhorando.

dentro disto há algumas coisas que poderiam melhorar, é verdade. podíamos ter vidas mais agradáveis, melhores condições para o consumo, podíamos alimentar melhor as grandes máquinas capitalistas, podíamos ter mais espaço público para a cultura, para esta desenvolver-se enquanto pensamento crítico e, claro, enquanto produto de consumo. podíamos melhorar para salvar a banca e a bolsa, melhorar para maior sucesso das empresas de sucesso, que sucede terem o sucesso proporcional ao que exploram quem nelas trabalha. podíamos melhorar para estar ao mesmo nível dos outros países ocidentais que servem de plataforma a quem alimenta o mundo de imundice. podíamos melhorar, podíamos.

talvez não se vá assim tão mal, se o caminho for a derrocada total. o pior é que haverá sempre quem não o permita, alguém que nos ensinará sempre como não cair, como manter o banquinho equilibrado e corpo quietinho de forma a que a corda nem deixe marcas no pescoço.

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