11/01/09

Este país aqui agora

[Rui Almeida]


O que dá vontade é dizer mal do país, aqui e agora. O que nos vai entrando pelos olhos dentro, ainda para mais em tempo da tão apregoada crise, não ajuda nada a expressões de optimismo. Mas muitas vezes parece-me que este hábito de falar mal resulta de uma visão parcelar da coisa, como se o “país” fosse apenas a estrutura que tem a responsabilidade de zelar pelo bem comum, ou seja, o Estado (ou, numa versão mais alargada, a “classe política”).

Ora, um país é bem mais do que aqueles que, bem ou mal, o governam. O Portugal daqui e de agora é um conjunto de várias dimensões. É o ponto de chegada provisório de um percurso histórico de 900 anos ou mais, que arrasta consigo um conjunto de mitos e um imaginário colectivo; é um território, com fronteiras, paisagem e especificidades geográficas, sujeitas à intervenção humana; é a formalidade constituída em Estado, do qual emanam as leis e as estruturas que regem a comunidade de cidadãos que vivem nesse território; é a imagem distorcida, caricaturada, diminuída, aumentada, omissa, fragmentária, que é dada por jornais, rádios, televisões, publicidade, discursos políticos e outros meios semelhantes; é o que se passa nas ruas, nos transportes públicos, nos cafés ou dentro das casas de cada um dos cidadãos que formam esta realidade colectiva. Afinal, um país será uma espécie de confronto entre o quotidiano de cada um dos seus cidadãos e o colectivo em que se constituem, dentro das suas condicionantes geográficas e culturais.

Isto para chegar onde? Para chegar ao que me parece ser o desperdício das possibilidades que a democracia nos permite e de que o hábito de falar mal do tal “país” é um dos mais evidentes sinais. Habituámo-nos a remeter as soluções para “eles”, os que “são sempre os mesmos” e, como “eles” não trazem as soluções, será sempre “deles” e nunca “nossa” a culpa.

Bem sei que são muitos e muitos anos de poderes, mais ou menos obscuros, instalados em cumplicidades entre política e economia. Bem sei que a necessidade de sustento obriga a maior parte das pessoas a não ter tempo para mais nada senão para a oscilação entre as horas e horas de trabalho e o pouco que têm para descansar. Bem sei que vêm solicitações de todos os lados que nos limitam a capacidade de pensar e, consequentemente, de agir. Bem sei que muita gente tem de optar entre a precariedade e o nada. Bem sei.

Mas a verdade é que, por mais degradada que esteja, vivemos numa democracia e, por isso, compete a cada um de nós intervir, conforme as suas capacidades e possibilidades, para a concretização do bem comum. E não faltam exemplos de gente que se junta para agir, denunciar, intervir ou reflectir. Não faltam exemplos que provam que é possível a criatividade para concretizar ideias positivas e transpor obstáculos.

É claro que há aquelas fragilidades estruturais que sabemos, a começar pela educação para a cidadania e pelo nível cultural, mas não é tão mau como parece, nem são só “eles” que são o país.

1 comentário:

  1. Como concordo! Mas onde a tradição de, por exemplo, movimentos de opinião e onde e como os fazer chegar ao grande público se no meio não houver ninguém com influência?

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