07/01/09

Aqui agora

[Pedro Afonso]

Aqui? Agora? São advérbios que pouco se vão efectivando por aqui, agora. Talvez seja isso mesmo a vida neste país: "um lugar fora do tempo e do espaço".

O que vejo como principal característica "do que é a vida neste país aqui agora" é, talvez, a "não inscrição" - algo como o que apresenta José Gil no "Portugal, O Medo de Existir". Viver, aparentemente, sem riscar o chão, sem tocar e sem ser tocado. Vou experimentando uma sensação que se aproxima disto: vamos a um evento, imaginem um debate público, no qual há um apresentador. Esse apresentador faz uma introdução ao tema, lança alguns tópicos, algumas questões. Depois passa a palavra ao público. Nesse momento, todos aplaudimos e abandonamos a sala.

A questão da “não inscrição” passa ainda por outro sintoma, creio, que já é também um velho companheiro da vergonha, da egotrofia e da inércia: o "falam, falam, falam, mas não fazem nada". Mesmo o "falar" é já em si um sintoma, pois não é "conversar", nem "discutir", nem qualquer outra forma que implique interferência. Aqui, agora, é já há algum tempo, é possível dizer o que se quer, tanto que nunca há consequências. Nem as consequências daquilo a que normalmente se chama "passar das palavras à acção", nem o ser chamado à responsabilidade pelo que se disse, pelo que se mentiu, pelo que se prometeu. Isto ao nível do "Eles", mas também do "nós". Falamos, falamos, falamos, mas mal nos pedem fundamentos, passamos ao assunto da bola.

Tal como uma conversa não passa, na maioria das vezes, de conversa de café, uma intenção não passa, na maioria das vezes, de um impulso de raiva ou de tristeza, ou ambas, e morre logo ao primeiro episódio da novela, ou a meio do filme da tanga que dá na mesma noite. As ruas das nossas cidades estão mortas, não há vida pública, apenas os carris pelos quais nos deslocamos diariamente, as cadeiras de café onde repetimos os mesmos diálogos todos os dias. Aliás, tenho dúvidas de que haja mais do que um dia, aqui e agora.

Não há vida pública, e isso deve-se a não haver nem desejo, nem energia, mas, principalmente, a não haver cultura para participar. Somos do país das queixinhas e do sofá. Queixamo-nos na expectativa de que alguém ouça e resolva a questão e sentamo-nos onde quer que seja, em frente do quer que passe, afundando-nos num mínimo conforto momentâneo.

Para mim, a vida passa por muitas questões que não se prendem com o lugar e o tempo em que se vive, mas também passa, e deveria passar por aqui e agora, mas passa pouco, muito pouco, cada vez menos. Claro, isso tem tudo a ver com ser este aqui e agora.

1 comentário:

  1. Sem querer ser queixinhas, nem acomodado, até porque na minha vida diária tento fazer milagres para o não ser, a falta de dinheiro é arrasadora e consegue estarrecer até o mais dinâmico em frente a uma TV ou PC em vez de ir ao teatro, concertos, colóquios ou o que quer que seja.
    np

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