[Luís Filipe Cristóvão]
Passados trinta e cinco anos da revolução que trouxe o regime democrático e a liberdade para o nosso país, muitas perguntas se poderão fazer: “valeu a pena?” não é uma delas. Estamos, neste momento, muito melhor do que estávamos antes. Temos melhores condições de vida, maior distribuição da riqueza, melhores índices na educação, mais voz na política internacional. Podemos, acima de tudo, dizer o que nos vai na cabeça, criticar o governo, escrever e publicar sem que uma qualquer comissão nos tenha que aprovar o pensamento. Se há coisa que posso agradecer aos que vieram antes de mim é o facto de ter conseguido viver trinta anos sem ser preso, nem investigado.
Mas podemos nós hoje fazer a festa sem ao mesmo tempo gritar, a 25 de Abril de 2009, que somos, eu e tantos outros que se atrevem ao sonho, uma geração traída? Porque as promessas que nos foram feitas não vieram assinadas pelo povo nem pelo MFA. Chegaram-nos pelas mãos dos Presidentes da República e pelos sucessivos governos de PS e PSD liderados por Mário Soares e Cavaco Silva, entre outros. Longe de sentir a necessidade de discutir a validade dos dois vinte e cincos, o de Abril e o de Novembro, o que a minha geração procura é uma resposta para que, passados os anos 80 e toda a promessa de modernidade, desenvolvimento e conquistas sociais, nos encontremos no mesmo buraco de onde nos pareceu que tínhamos saído há uns anos atrás.
Estamos a falhar na fixação da memória. O facto de se continuar a confundir ideologia com escolhas tácticas ou com justiças profissionais, o facto de se continuar a lamentar ou a acusar o vizinho da frente dos erros do pós-25 de Abril, continua a ofuscar-nos a possibilidade de pegarmos a realidade com as nossas mãos. O homem português do século XXI quer fazer, inventar, saber e descobrir, colocando as suas prioridades na acção, mais que na reflexão, para a qual nos falta uma ética e uma moral. Nunca houve da parte da Escola, nestes anos, um gesto que preparasse as novas gerações para a reflexão e aprendizagem dos valores da liberdade e da democracia implantados pelo 25 de Abril. Demasiado recente, continuam a dizer: mas se ao homem de hoje estiver oculta a realidade de ontem, terá ele clareza de espírito para as suas posições?
Estamos a falhar na promoção das igualdades. Temos uma larga percentagem de pobres em Portugal, e com o aumento do desemprego, essa percentagem cresce ainda mais. A solução para a pobreza não se faz só de subsídios, faz-se na educação e na promoção da participação na sociedade. Mas na escola o que se mede agora são os resultados. E a participação, hoje em dia, é telefonar para os fóruns da Antena 1, desleixando tantas vezes a possibilidade de participarmos voluntariamente numa associação, num encontro ou numa conversa, entre as pessoas da nossa terra. A sociedade mediatizada não será culpa dos portugueses, mas nós lutámos e conquistámos a liberdade em 1974 e agora só levantamos os braços para que o telemóvel tenha rede, no buraco onde vivemos, para enviar uma última mensagem escrita.
Sim, hoje somos mais livres para ver e apercebermo-nos do mal em que vivemos. E a crítica serve a quem fez a revolução, a quem esqueceu a revolução, a quem sequer a viveu: também eu sinto a culpa do político que não sou capaz de ser, deixando que a mediocridade se instale e utilize as minhas costas para chegar um degrau acima: eu também sou um traidor da geração traída da qual faço parte. O eu aqui não é indignação nem vitimização. O eu aqui é um gesto de salvação pela poesia, pela utopia que será sempre o motor de todas as conquistas do homem. Porque é ela que nos permite fazer a diferença, quando toda a gente quer que sejamos iguais. Por isso eu grito a geração traída, para que ela se sinta tocada, se identifique, e talvez acorde a tempo. Não vá, mais depressa, de maduro o Maio cair.